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Política de dados abertos permite que mais soluções sejam criadas por meio da comunidade de desenvolvedores

 

Aplicativos de caronas, compartilhamentos de carros, mapas colaborativos, informações sobre o trânsito e os sistemas de transporte coletivo, entre tantos outros programas, melhoram a qualidade dos serviços nas cidades, ao mesmo tempo em que ampliam o acesso da população a eles. Estas são algumas das soluções que integram os projetos de cidades inteligentes, que visam usar as novas tecnologias para aprimorar a relação dos gestores públicos com os cidadãos e no fornecimento de serviços essenciais à melhora na qualidade de vida. Mas, quais são as tendências neste campo?
 
O portal da ABES entrevistou Diego Canales, colaborador do WRI Ross Centro para Cidades Sustentáveis, especialista que já atuou em Transporte Urbano no Banco Mundial, supervisionando novas iniciativas de dados abertos e sistemas de transportes inteligentes de mobilidade urbana no México e Brasil.
 
Canales destacou a evolução dos debates e dos projetos de cidades inteligentes e o advento do conceito de Smat City 2.0, apoiado pelo WRI, e seus três pilares: centrada nas pessoas, tem o governo como facilitador e apoia-se no governo inteligente. “Adotar esse conceito já tem como premissa que o governo irá integrar a população na cocriação de muitas das soluções”, diz.  Acompanhe a entrevista:
 
Qual é a melhor definição de uma cidade inteligente?
Há uma grande variedade de definições e nenhum consenso em torno de uma definição universal. Em muitos lugares isso normalmente têm significado automação, otimização ou integração dos serviços urbanos. Uma das definições do British Standards Institute diz que é a "a integração efetiva dos sistemas físicos, digitais e humanos dentro do ambiente construído para atingir um futuro sustentável, próspero e inclusivo para os seus cidadãos" (Smart City Framework, 2014). E eu poderia listar definições de muitas outras instituições, mas o conceito está em constante evolução. Muitas dessas abordagens iniciais foram feitas de cima para baixo e dirigidas por grandes empresas tecnológicas e de dados. O que ficou conhecido como Smart Cities 1.0. Podemos citar exemplos de cidades como Masdar (Emirados Árabes Unidos), Songdo (Coreia do Sul) e a primeira interação do Centro de Comando do Rio (COR). Mas isto está evoluindo. No WRI, apoiamos três pilares que integram o conceito de Smart Cities 2.0:
 
·         Centrada nas pessoas – soluções sob medida para serem acessadas por qualquer cidadão independente do seu nível econômico e demográfico. Integra a população para cocriar tais soluções e cria sistemas para receber as suas necessidades, sugestões e recomendações, e age sobre eles.
 
·         Governo como facilitador – facilitar ecossistemas e ambientes de inovação que simplifique a implantação de testes de novas tecnologias e ocupa-se de questões críticas nas regulamentações, que permitem a interoperabilidade de plataformas e padronização de dados.
 
·         Governo Inteligente – o governo inteligente tem uma forte colaboração interinstitucional, fluxo de informações, o uso de dados, tecnologias e ferramentas para maximizar a eficiência.
 
 
Quais seriam as cidades no mundo mais avançadas no uso da tecnologia na gestão dos serviços públicos?
Não é fácil fazer essa avaliação e ranquear as cidades de acordo com o uso da tecnologia na gestão dos serviços públicos. O ranking que eu gosto é o do Boyd Cohen, pois é mais holístico, ao avaliar mais de 60 indicadores de governo, da economia, de meio ambiente, segurança, educação, saúde, mobilidade, inclusão social, entre outras áreas. Ou seja, a metodologia utilizada vai além de analisar apenas a quantidade de infraestrutura implantada. Algumas cidades que se destacam na mais recente edição deste ranking são: Barcelona (Espanha), Helsinki (Finlândia), Brisbane (Austrália) e Toronto (Canadá).
 
 
Quais são, em sua avaliação, os principais aspectos que mudam na relação dos cidadãos com sua cidade e com os gestores públicos?
Para começar, precisamos ter em conta o primeiro pilar (Centrado nas pessoas) da definição de smart cities 2.0. Adotar essa política já tem como premissa que o governo irá integrar a população na cocriação de muitas das soluções. Mas, então, falta resolver a questão do como.
 
Neste aspecto existem várias plataformas e ferramentas digitais que ajudam a engajar a população. Mas a escolha de quais utilizar dependerá do entendimento do estrato socio-demográfico da população. Por exemplo, a cidade de Nova Iorque utilizou um mapa (onde, aliás, utilizaram tecnologia de código aberto), na implantação de seus sistemas de bicicletas compartilhadas, para que os cidadãos pudessem escolher a localização das estações.
 
De igual maneira para seu projeto de Visão Zero (zero fatalidades de tráfego), eles utilizam uma plataforma para os cidadãos informarem possíveis problemas. Neste caso, a população de Nova Iorque tem um alto acesso às ferramentas digitais e, portanto, essas plataformas ajudam a estabelecer uma relação com os cidadãos. Mas em outras cidades é possível que essa não seja a realidade e a melhor forma de estabelecer comunicação talvez seja através de mensagens SMS. Existem plataformas que se especializam nesse tipo de serviços para SMS.  
 
Além disso, é importante adotar uma política de dados abertos, pois mais soluções serão criadas através da comunidade de desenvolvedores.
 
No que se refere aos gestores públicos, como eles encaram essa necessidade de utilizar mais tecnologias para oferecer melhores serviços à população?
Muitas vezes o serviço público adota soluções que são oferecidas pelos vendedores de tecnologia, mas que nem sempre estão de acordo com o que o setor público precisa. E isso acontece, pois muitas vezes o setor público não tem tempo nem equipe para sentar e entender todas as diferentes opções de tecnologia que poderiam ser úteis e depois detalhar as funcionalidades.
 
Isso leva tempo e esforço, porque, hoje em dia, a análise não deve ser só se a tecnologia tem a capacidade de efetuar a tarefa, mas sim de entender como ela num futuro poderia interagir com outros processos ou ser escalada para introduzir novas funcionalidades não previstas. Em outras palavras, evitar que a tecnologia escolhida não represente um lock-in pelos próximos cinco ou dez anos, sendo que a tecnologia é um conceito que evolui muito rapidamente. A questão é como colocar pessoas dentro de uma agência de governo que tenham essas capacidades técnicas e, com o tempo, inovar e ajudar na escolha das melhores tecnologias.
 
Nesse aspecto, gosto muito do trabalho da ONG Code for America, que tem representação no Brasil, cuja missão é trabalhar em conjunto com o público para desenvolver um governo mais ágil e criar uma mudança significativa através da tecnologia.
 
Poderia citar exemplos brasileiros de iniciativas no Brasil de tornar as cidades mais inteligentes?
Gosto de começar pelo exemplo de cidades que abriram seus dados e adotaram uma política de dados abertos. Pode não parecer de primeira instância, mas essas políticas através da comunidade de desenvolvedores têm conseguido fazer a cidade mais inteligente. De 2009 até 2013 a única forma de se obter informações sobre o transporte público era acessando o Google (melhores rotas e itinerários), e para as informações em tempo real do ônibus era através do portal Olho Vivo. Depois de 2013 entraram no mercado aplicativos como Moovit, Citymapper, e outros aplicativos locais, como Trafi e Cadê o Ônibus para dar esse tipo de informações sobre o transporte público em tempo real. Nesse movimento, São Paulo, a partir de 2013, abriu seus dados para que os desenvolvedores os pudessem utilizar, tanto os dados estáticos como os dinâmicos. O Rio de Janeiro é outro exemplo de cidade que tem essa politica.
 
O ideal é que a agência de transporte público mantenha o foco na qualidade dos dados e disponibilize-os em formato padrão (equivalente à GTFS ou GTFS-RT), e que o mercado compita por produzir a melhor app. Não faz sentido que uma agência de transporte público gaste dinheiro público para produzir um app quando seu foco é transporte público e não produção de software/apps. Por outro lado, os usuários não querem ter um app de transporte para cada cidade que visitam, ou seja, querem um ou dois apps que possam utilizar em uma grande quantidade de cidades. Esse é um dos motivos do êxito de Google Maps. 

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